domingo, 24 de abril de 2016

Palhaço Pipoca

Ailton é um personagem da Muda. Trabalha em um prédio residencial na Rua São Miguel há muitos anos.  Exerce essa função com dedicação e prazer a ponto de ter trocado sua moradia mais distante por um endereço mais próximo. É casado e tem filhos, e gosta de sua profissão.

Mas... Nos domingos e feriados Ailton se transforma em outro personagem. Tira de dentro de si e da sua carrocinha o palhaço Pipoca e vai para as ruas interagir com crianças e adultos.

Neste domingo dia 24 o palhaço Pipoca comemorou vinte e três anos de atuação na Praça Xavier de Brito, com uma apresentação  seguida de parabéns e distribuição de bolo e refrigerante para crianças. 

Evento democrático como a Praça: famílias se mesclam harmoniosamente em torno do Pipoca.



Para Ailton, transformar-se no palhaço Pipoca não é uma forma de garantir sua sobrevivência, mas sim de levar alegria a quem quiser se contagiar.

O Pipoca só fica sério ao descrever sua intenção: para ele sua performance significa o cumprimento de uma missão: levar felicidade por meio de suas peraltices e brincadeiras.

Ailton-Pipoca é "o cara", não só pelo talento, mas por acreditar e se dedicar tão intensamente a um projeto de alegria, criatividade e generosidade.


Personagens da Muda

Para fazer jus ao nome, este blog precisa ouvir as vozes que transitam no cotidiano da Muda. Depois dos "posts" sobre origem, limites e características físicas, este de hoje começa a trazer nossa dimensão humana.

Ainda no feriado conversei com três trabalhadores da Muda.

Marcos é despachante da linha 213 (antiga 413). Funcionário de Viação Alpha, seu local habitual de trabalho é no Leme, e está na Muda apenas cobrindo as férias de um colega. Relata o relativo esvaziamento da linha em virtude da alteração no trajeto, que não alcança mais a Zona Sul. Também conta como a inauguração do Metrô Uruguai esvaziou a linha de integração metrô-ônibus.

Da conversa com o Marcos o mais alvissareiro é saber que a linha da integração com o Metrô teve seu ponto alterado para ficar bem em frente à Casa de Convivência e Lazer Bibi Franklin Leal, por pedido dos idosos feito à Prefeitura.

Em seguida conheço gari André, que se aproximou dando apoio a uma idosa que tinha reclamação a fazer sobre o ônibus 213. Depois que ela se retira conversamos sobre a Muda. Ele conta que aqui os garis são apoiados pelo comércio e pelos moradores, diferentemente de outros lugares onde trabalhou. Explica que em uma ocasião pediu transferência e foi designado para atuar no Leblon, mas que não se adaptou àquele bairro elegante, e teve que pedir pra voltar à Tijuca.

"No Leblon as pessoas sequer olham para nós. Aqui na Tijuca os moradores conversam mais conosco, são mais cordiais e prestativos. Também os comerciantes valorizam nosso trabalho e frequentemente oferecem lanches para nós". Assim André contribui com a autoestima do "mudense"! Vamos reconhecer e promover o lado virtuoso dessas relações.

Finalmente, no fim do dia conheço Adriano, que faz coleta de recicláveis e guarda seu material na Rua General Espírito Santo Cardoso! Boa notícia para os interessados e apoiadores da sustentabilidade. Adriano estava em horário da janta, e deixamos para conversar mais outro dia.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Tradição e denominações

O feriado me deu ensejo a um passeio a pé. Voltando da padaria passei em frente à vila onde se lê “Bairro Gratidão”, em relevo bem cuidado sobre a parede.
Aquele cantinho da Muda tinha esse nome singelo e expressivo, também usado pela antiga “Garage Gratidão”.
A Garage foi desativada há sete anos, e em seu extenso terreno a Construtora Concal veio instalar o condomínio “Conde de Bragança”. Na época questionei a Construtora por abandonar o nome “Gratidão”, em seu lugar instalando a referência a um “conde”, personagem de seis séculos atrás na formação do Estado Português...
Bianca Carvalho, da Concal, respondeu-me na então agradecendo a sugestão mas informando que a campanha “já estava fechada”. [Não gostei da resposta da construtora, mas fiquei imaginando a briga que Bianca teria que bancar com o setor de marketing apenas para satisfazer um vizinho inquieto.]
E por que prefiro "Gratidão" ao "Conde de Bragança"? Porque a rejeição ao nome de origem é forma de enterrar o passado local, para nele implantar outro passado... de outro local e de outras pessoas!
Um passeio a pé pelas ruas confirma o que o senso comum já sabe: edifícios antigos têm nomes que inspiram modéstia e familiaridade, como “Gratidão”, “João Alfredo”, “Marinezilda”, “Joaquim Monsanto”, "N.S. Apparecida" ou "Provezende", “Virgínia Lúcia”. Por sua vez os edifícios novos são batizados com referências distantes e cheias de pompa como “Palazzo di Milano”, "Alpha Centauri", "Residencial Baviera", ou “Chateau Bleu”, ou ainda “Camille Claudel”!
Sintomas da modernidade líquida, ou de nossa seguida colonização?

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Até onde vai a Muda?

Havendo consenso que a Muda tem sua origem e seu centro na Rua Conde de Bonfim por volta do número 812, uma questão se sucede: até onde vai este território? Inicialmente pretendia adiar ou dispensar esta formalidade, porque a extensão da Muda não afeta seus vizinhos nem gera litígio de fronteiras, mas depois reconheci sua importância. O território tem simbolismos que cabe não desprezar. Vamos à sua definição. Tomando a Conde de Bonfim por eixo, temos que a Muda é ladeada por morros. Ao sul, o Sumaré se estende qual muralha. Ali a Muda se estende até onde vai a Tijuca, em seu limite com o Alto da Boa Vista. Ao norte temos o Morro do Andaraí. Limite físico que divide a Tijuca de seu vizinho, e cujo vértice, prolongado, encontra a ladeira da Rua Maria Amália, que em descida íngreme alcança a Rua Uruguai, onde só se pode dobrar à direita. A leste não seria prudente atravessar a Rua Uruguai... Dali rumando à Praça Saenz Peña não há mais quem se identifique com a Muda... Resta o limite oeste, e este é o mais difícil. O caminho da Muda pra Usina vai numa inclinação contínua sem que se saiba onde uma começa e a outra termina... Recorramos, portanto, ao mapa. Fazendo-se uma linha paralela à Rua Gurindiba, sobre o morro, percebe-se a linha de transmissão de eletricidade, com suas prestativas torres de metal! As linhas da Light cortam a Conde de Bonfim na altura do número 900, sempre por cima de um terreno desabitado, dirigindo-se ao Sumaré. Assim fechamos nossa primeira versão para uma delimitação, ainda que provisória. Outras virão, melhores.

Sim, a Muda tem vozes!

Muitas, como pretendemos mostrar. Este blog é feito para conhecer, valorizar e integrar a Muda. Ouvir suas vozes, registrá-las, retransmiti-las, reuni-las, e, sendo possível, dançar ao compasso de seus ritmos. Saudade? Do futuro. Passado? O que o sonho alimenta.

A Muda existe.

As evidências são várias, e um pouco desencontradas. Não sendo um bairro, e não havendo logradouro com seu nome, a Muda não tem limites definidos: seu reconhecimento não é tácito nem oficial. Provar sua existência exige, portanto, alguma paciência. Pode parecer apelação, mas a prova mais visível e difundida da existência da Muda é a linha de ônibus que ostenta seu nome como destino. Até recentemente com origem na Zona Sul, e com o número 413, há tempos essa linha cumpre valorosa missão de conduzir moradores e trabalhadores àquele cantinho da Tijuca que se aproxima do Andaraí. [Recentemente a linha mudou o número para 213. Esperamos mantenha viva sua intenção de unir a Muda ao resto do Rio de Janeiro.] Mas a denominação “Muda” não se restringe ao ônibus. A Rua Conde de Bonfim em seu número 758 tem um tradicional estabelecimento chamado “Queijeiro da Muda”. A Comlurb, por sua vez, dispõe de uma “Gerência Adjunta Muda”. Silenciosa mas presente! As origens do batismo? A troca dos animais que puxavam os bondes que vinham do Centro do Rio de Janeiro, desde 1859, segundo o professor Milton Teixeira. Imagino que o lugar preciso coincida com o endereço à Rua Conde de Bonfim, 812, pois até a década de 1960 era ali que bondes elétricos faziam manobras e manutenção. Mais tarde o endereço foi garagem de carros da Assembleia Legislativa, e hoje é um Supermercado construído há pouco tempo. A Muda também está no Wikipedia! Com algumas imprecisões. Para o artigo, a Muda “localiza-se entre a Tijuca, o Andaraí e a Usina”; e que seria portanto “um sub-bairro da Grande Tijuca”... Não é bem assim. Muda e Usina fazem parte do bairro da Tijuca. Andaraí é outro bairro. E “Grande Tijuca”, evidentemente, é uma generalização que não tem nada de poética, e cuja [presumida] existência, quando muito, serve a interesses econômicos, organizacionais, etc. Mas, que importam estas pequenas imprecisões? A Muda está no Wikipedia, e isto serve tanto para sua conexão ao mundo quanto a linha de ônibus 413! Enfim, não alongarei mais estas considerações... Temos dois argumentos finais, infalíveis para eliminar qualquer descrença: o registro de dois artistas reconhecidos, que fizeram da Muda habitat e personagem. Haverá outros, mas por enquanto me valho de suas vozes mais-que-suficientes: Aldir Blanc e Moacyr Luz, personagens marcantes na sensibilidade e no talento de expressá-la, e que, de forma indelével, uniram seus percursos a este pedaço do Rio de Janeiro, na história do Bloco Nem Muda Nem Sai de Cima, Graças a tudo isso, sim, podemos afirmar que a Muda existe. Vamos a ela.